Já lá vão cinco anos quando o Sérgio fez setenta. Assinalei então a data com um texto-trocadilho que publiquei no Jornal Torrejano.
Algum tempo depois, no dia de um Concerto no Virgínia, o Sérgio, ele mesmo, entrou na minha livraria alfarrabista.
Num momento mágico, contou-me que teve uma avó também alfarrabista no Porto. Pedi-lhe que me assinasse a crónica que lhe tinha escrito no dia dos seus 70 anos e que foi publicada no JTorrejano. Pediu-me então um Jornal, que levou e que sei que leu antes do Concerto no Virgínia.

Agora, que passam 75 anos da sua vida, aqui fica de novo o registo, enquanto não houver um apagão geral do que vamos escrevinhando por aí…

«Com um brilhozinho nos olhos…» *

Sérgio Godinho fez há dias setenta anos.
Setenta? Sim, Rosalinda. Como diria o Fausto, companheiro nessas andanças, se tu fosses à praia, se tu fosses ver o mar, sabias que o Sérgio já por lá tinha andado há muitas luas.
Por lá e por muito lado. Por aqui e por ali. Pelas suiças, franças e canadás. Pelas sete partidas do mundo.

Mestre nos trocadilhos e nos trocaderos, escritor de canções ou cantor de escritos, o Sérgio é inigualável. Com a sacola e a viola, come a frase, engole a sílaba e, por uma nesga, lá mete o rossio na betesga, sem que nunca nada fique por dizer.

Fosse “À Queima-Roupa”, ou pelo “Canto da Boca”, qual “Sobrevivente”, soube bem cedo que “a paz, o pão, habitação, saúde, educação” eram, são e serão, não apenas um bom refrão.

Já setenta Sérgio? E o Maio de 68 que parece que foi ontem e te apanhou com 23, na flor da esperança na Paris da “rive gauche”? A ti e ao Zé Mário que teimou em mudar as vontades, noutro tempo, noutros tempos. E os outros, tantos outros que te ouviram, te cantaram, se agitaram?

Sabes Sérgio, não sei se este é o primeiro dia do resto das nossas vidas. Mas ao reler algumas das letras com que nos foste brindando ao longo de tantos anos, escrevo-te com um brilhozinho nos olhos, sabendo que nos teus setenta, tu fizeste a tua parte, mas muitos dos outros, cruzaram os braços e nunca poderiam ter escrito nenhum “Romance de um Dia na Estrada”.

Percebe-se bem porque razão a “Alice no País dos Matraquilhos” cuidaria de ter “Cuidado com as Imitações”. E “Se a Vida é Feita de Pequenos Nadas”, já agora, não pares. Nunca pares de engolir as sílabas, trocadilhando como tu e só tu o consegue fazer.

Agora, Sérgio, desculpa, mas tenho que ir. O vinil acabou e apetece-me voltar a ouvi-lo. «Que Força é essa, Amigo»?

adelino cp

  • (escrito e publicado há cinco anos)
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