Demétrio nascera poeta. Poetava longe do porto e do bulício do mundo. Zeus avisara-o
que não deveria poetar mais do que os Deuses. Poderiam zangar-se.
Demétrio, poeta, pareceu não ouvir. Ali, em Paros, o mar e o vento, as árvores e os
pássaros, todos os mistérios permaneciam iguais. Afinal habitava uma ilha rodeada de
mar por todos os lados menos pelo céu, ora azul, sorrindo, ora cinza, murchando.
Verdade que o azul era tímido, cada vez mais tímido, descolorido, desbotado. E
quando cinza, se tornava mais cinza, carregado, quase negro.

O vento forte, agora mais forte, agitava os ciprestes num sinal de susto. Mar revolto,
mau augúrio. Demétrio inquietava-se também. Ainda se soubesse de flauta ou de
outro instrumento. Se ao menos lhe tocasse o jeito para coisas maiores. Sabia que não.
Apenas lhe dava para juntar o som das palavras ao sabor do vento. Chegavam-lhe
assim, não sabia de onde, talvez bem de perto das coisas da alma ou lá mais de longe,
do bulício do mundo. E Zeus insistia. Que se deixasse das coisas do espírito, dos
cânticos soturnos, da cadência do verso. Demétrio sonhava, os ciprestes buliam,
zangavam-se os Deuses.

Em Paros, a tempestade chegava. O mar revoltava-se, cruzavam os ventos, sugavam-se
os barcos. Em Paros, os pássaros perdiam o rumo, erravam o voo, procuravam o ninho.
Suspirava, Demétrio, esperando a bonança que tardava em chegar.
Tempo esquisito, aquele, em Paros. Demétrio, que nascera poeta, poeta ficou. Em
Paros, longe do porto e do bulício do mundo.

 

Jornal ‘abarca’ I Fevereiro 2021

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