Sempre que parte alguém ‘maior’, percebemos que se somos todos iguais haverá sempre uns mais iguais que outros. Faz parte da natureza humana. Pelo que foram, pela forma com estiveram, pelo legado que nos deixam. Não conheci José Mattoso a não ser pelos seus livros, pelos seus testemunhos públicos e de outros que tiveram o privilégio de o conhecer. Dele, outros falarão muito e melhor do que eu.
Tenho para mim que Mattoso não seria o que foi se, aos dezassete anos e durante muitos mais não tivesse optado pela vida monástica. A misticidade com que nos fala, o sentido da vida e da morte, a procura incessante da historicidade do milagre acompanhou-o ao longo da vida.
Agora que parte com a tranquilidade com que viveu, fica-nos um sentimento que paira, assim como que um misto de perda e de ganho. De perda por ser difícil, quando não impossível, repor aqueles que, mestres de mestres (como escreveu a Mar Teodora) deixam um vazio por preencher. De ganho, porque se vão da lei da morte libertando e assim nos convocam aos seus escritos e à memória.
O tempo aconselhará outras leituras. Por hoje fico-me com o seu prefácio à História de Portugal de Alexandre Herculano, publicado já quando a historiografia portuguesa muito tinha evoluído, quando já era sabido dalgumas imprecisões da História de Herculano, normais para quem havia aberto os caboucos de uma historiografia sistematizada. Teria sido porventura mais cómodo para Mattoso ir na corrente da crítica e dos críticos, embarcando na moda de então. Não o fez.
Mestre do silêncio e da palavra, assumiu com a simplicidade e humildade de um antigo monge beneditino que “… há poucos autores com tão grande sentido da “época” como Herculano. Hoje, que as fontes estão amplamente publicadas, graças justamente ao seu labor, não é fácil imaginar o enorme trabalho de pesquisa, os métodos de selecção de materiais, o esforço de crítica e de utilização de das ciências auxiliares que teve de despender…”. Não tinha necessidade de o fazer. Mas fê-lo. Herculano merecia que alguém o fizesse. Só poderia ter sido um monge.
adelino cp
9.7.23
Partilhe nas redes sociais
0

Carrinho