1 de Novembro de 1755. Fosse por pressentimento, fosse pelo destino, Gabriel Malagrida rezara missa mais cedo do que era costume. Passou à capela, fechou-se no confessionário e ali ouviu os últimos desabafos de muitos dos fiéis.
Eu pecador me confesso, diziam, prontos a pecar de novo. Depois, um abalo aqui, um abanão acolá, e assim se foram as paredes da igreja e da capela e, com elas, todas aquelas centenas de pecadores que ali enviaram a alma ao criador.
Como que por milagre, salvou-se Malagrida, o jesuíta, atónito ao que assistia. A força da natureza, cruel e impiedosa, reduzia o homem à sua insignificância. A destruição era total. O Paço Real, os seis hospitais da cidade, dezenas de palácios da grande nobreza, igrejas e bibliotecas, o velho casario, animais atarantados, toda aquela gente, tudo literalmente engolido pelo desabar do mundo. Do ar, do fogo e do mar. Qual tragédia grega, os deuses deveriam estar loucos.
Ausente de Lisboa, por sorte ou por milagre, a família real escapara. E, ainda, Sebastião José de Carvalho e Melo, secretário do reino e futuro Marquês de Pombal. Para Malagrida, o jesuíta, era a justiça divina no seu esplendor. Ali estava a punição dos erros do povo e de quem o governava. Sebastião José, esse, não lhe perdoaria. E uns anos depois, sem dó que se ouvisse, nem piedade que lhe valesse, o velho jesuíta encontrou no cadafalso, o garrote e a fogueira com que pagou com a vida a sua demasiada ousadia.
Deixemos o malogrado Malagrida e voltemos a Sebastião José. A diplomacia em Londres e Viena deram-lhe mundo. D. José, o Rei, deu-lhe poder. À data da catástrofe era já o homem forte do reino. E, enquanto o Rei, angustiado, não mais recuperava do susto, passando a viver em tendas e barracas gigantes montadas na Ajuda receando que o céu lhe caísse em cima, Sebastião José, homem de vistas largas, de pés na terra, pulso firme e nervos de aço, sabia não ter tempo a perder. Das gentes, cuidou dos vivos, enterrando os mortos. Da cidade, gizou com os seus mestres uma reconstrução visionária, a pedir meças ao inimaginável.
Naquela tragédia, milhares perderam a vida, uns perderam os outros e muitos o pouco que tinham. Sobre ela escreveram Voltaire, Kant, Goethe e Rousseau. E sobre os seus escombros ergueu-se aquela que é uma das mais belas cidades do mundo, hoje já sem Malagridas no confessionário mas com pecados ainda por expiar.
adelino cp
1.Nov. (de todos os anos)
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